A luta corporal no Xingu contribui para manter viva a cultura indígena no Mato Grosso.
Fotos: Mário Vilela/Funai |
Conhecidas pelo conjunto de disciplinas de luta e
combate, as artes marciais geralmente estão
associadas à cultura oriental. Porém, essa não é uma realidade tão distante
da Amazônia. Um exemplo disso é a luta
esportiva kindene.
Mais conhecida como huka-huka, a
luta consiste em um combate corporal criado pelo povo indígena Bakari e dos
povos do Xingu, localizado no Mato Grosso,
Estado pertencente à Amazônia Legal.
A huka-huka possui algumas
particularidades e é uma das modalidades dos Jogos dos Povos
Indígenas, competição criada em 1996.
Em primeiro lugar é necessário entender que a
luta huka-huka é disputada em determinadas situações, como na chegada
de um visitante à aldeia estrangeira ou nos casamentos, ocasião em que o noivo
deve enfrentar todos os lutadores locais – devido à regra de residência
pós-matrimônio.
O esporte ocorre também quando se está prestes
a encerrar o Kuarup,
ritual fúnebre xinguano que marca o final do período de luto um ano após o
falecimento dos membros das comunidades. Com enfeites de linha, plumas e
miçangas e o corpo pintado de jenipapo e urucum, os guerreiros são convocados
para o embate pelo "dono da luta", um indígena que exerce papel de
observador e se dirige ao centro da roda, chamando os lutadores pelo nome.
Um estudo sobre essa particularidade cultural
produzido por Carlos Eduardo Costa, intitulado 'A luta esportiva nos
rituais pós-funerários: corporalidade, chefia e disputa política no Alto Xingu'
e publicado no 'Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas' na
Scielo, define:
Trata-se de uma modalidade de luta em que os oponentes devem tocar a parte posterior da perna do rival, agarrá-lo pelas costas ou executar golpes de arremesso para obter a vitória – objetivo almejado pelos lutadores e clímax das comemorações. Embora o empate seja o resultado mais recorrente, os combates apresentam alto nível de intensidade, sendo realizados logo pela manhã do último dia do ciclo ritual – chamado de 'final', momento em que os povos se encontram todos reunidos no pátio da aldeia anfitriã
Com uma variedade de golpes, técnicas e táticas, as
disputas ocorrem entre o time dos anfitriões contra os convidados adversários,
separados entre si.
Com essa dinâmica organizacional, que depende das
relações de parentesco entre chefes e homenageados falecidos, o time anfitrião
faz bem mais lutas que seus convidados, principalmente os campeões (kindotoko,
os 'donos de luta') que se apresentam primeiro e separadamente dos demais –
após serem convocados pelos chefes (anetü) e 'donos' do ritual.
Influência
política
De acordo com o estudo, a região do Alto Xingu é
conhecida pela ênfase nas redes de trocas matrimoniais (casamentos
preferenciais com primos e alianças estratégicas), comerciais (por meio de
especialidades étnicas) e cerimoniais (um conjunto de festas por variados
motivos para os quais os povos se convidam mutuamente).
Nesse cenário, as disputas esportivas são ótimas
justificativas para estabelecer relações de proximidade e estabelecer vínculo
com outros grupos étnicos. Assim, "a prática é decisiva no estabelecimento
de alianças e rivalidades que se modificam a cada evento".
Isso porque as pessoas geralmente se identificam com ao
menos dois etnônimos (palavra que designa tribo, etnia, raça, grupo humano
definido, nação e, em alguns casos, equivale a gentílico), ampliando as
relações de parentesco que conectam chefes e homenageados falecidos. "Esta
é a base para a diferenciação entre anfitriões, aliados e convidados, firmada
por meio da formalidade do sistema de convites", explica.
Para além
da Amazônia
Para além das fronteiras do Alto Xingu, a luta indígena é
bastante respeitada e valorizada. Um fato interessante é que o lutador de UFC
Anderson Silva, conhecido internacionalmente, foi até o Xingu para aprender
técnicas indígenas e ampliar seu conhecimento.
Silva recebeu explicações sobre as táticas utilizadas no
combate e foi introduzido à luta da forma mais tradicional possível: pintura
especial no corpo, panos grossos para proteção das articulações, pele de onça
na cintura e um colar feito de placas de caramujos no pescoço.
Conteúdo
reproduzido do Portal Amazônia
ISABELLE LIMA - ISABELLE.LIMA@AMAZONSAT.COM.BR
Referência
A luta esportiva nos rituais pós-funerários: corporalidade,
chefia e disputa política no Alto Xingu